Através dos tempos, o mel sempre foi considerado um produto especial, utilizado pelo homem desde os tempos mais remotos. Evidências de seu uso pelo ser humano aparecem desde a Pré-história, com inúmeras referências em pinturas rupestres e em manuscritos e pinturas do antigo Egito, Grécia e Roma.
A utilização do mel na nutrição humana não deveria limitar-se apenas a sua característica adoçante, como excelente substituto do açúcar, mas principalmente por ser um alimento de alta qualidade, rico em energia e inúmeras outras substâncias benéficas ao equilíbrio dos processos biológicos de nosso corpo.
Embora o mel seja um alimento de alta qualidade, apenas o seu consumo, mesmo em grandes quantidades, não é suficiente para atender a todas as nossas necessidades nutricionais. Na tabela 4 apresenta-se os nutrientes do mel em relação aos requerimentos humanos.
Nutriente | Unidade | Quantidade em 100 g de mel | Ingestão diária recomendada |
ENERGIA | Caloria | 339 | 2800 |
VITAMINAS: | |||
A | U.I | - | 5000 |
B1 | mg | 0,004 - 0,006 | 1,5 |
COMPLEXO B2: | |||
RIBOFLAVINA | mg | 0,02 - 0,06 | 1,7 |
NIACINA | mg | 0,11 - 0,36 | 20 |
B6 | mg | 0,008 - 0,32 | 2 |
ACIDO PANTOTENICO | mg | 0,02 - 0,11 | 10 |
ÁCIDO FÓLICO | mg | - | 0,4 |
B12 | mg | - | 6 |
C | mg | 2,2 - 2,4 | 60 |
D | U.I | - | 400 |
E | U.I | - | 30 |
BIOTINA | mg | - | 0,330 |
Além de sua qualidade como alimento, esse produto único é dotado de inúmeras propriedades terapêuticas, sendo utilizado pela medicina popular sob diversas formas e associações como fitoterápicos.
Definição e origem
O mel é a substância viscosa, aromática e açucarada obtida a partir do néctar das flores e/ou exsudatos sacarínicos que as abelhas melíficas produzem. Seu aroma, paladar, coloração, viscosidade e propriedades medicinais estão diretamente relacionados com a fonte de néctar que o originou e também com a espécie de abelha que o produziu.
O néctar é transportado para a colmeia, onde irá sofrer mudanças em sua concentração e composição química, para então ser armazenado nos alvéolos. Entretanto, mesmo durante o seu transporte para a colméia, secreções de várias glândulas, principalmente das glândulas hipofaringeanas, são acrescentadas, introduzindo ao material original enzimas como a invertase (a -glicosidase), diastase (a e ß amilase), glicose oxidase, catalase e fosfatase.
Composição
Apesar de o mel ser basicamente uma solução saturada de açúcares e água, seus outros componentes, aliados às características da fonte floral que o originou, conferem-lhe um alto grau de complexidade.
Segundo Campos (1987), a composição média do mel, em termos esquemáticos, pode ser resumida em três componentes principais: açúcares, água e diversos. Por detrás dessa aparente simplicidade, esconde-se um dos produtos biológicos mais complexos.
Composição básica do mel | |||
Componentes | Média | Desvio padrão | Variação |
Água (%) | 17,2 | 1,46 | 13,4 - 22,9 |
Frutose (%) | 38,19 | 2,07 | 27,25 - 44,26 |
Glicose (%) | 31,28 | 3,03 | 22,03 - 40,75 |
Sacarose (%) | 1,31 | 0,95 | 0,25 - 7,57 |
Maltose (%) | 7,31 | 2,09 | 2,74 - 15,98 |
Açúcares totais (%) | 1,50 | 1,03 | 0,13 - 8,49 |
Outros (%) | 3,1 | 1,97 | 0,0 - 13,2 |
pH | 3,91 | - | 3,42 - 6,10 |
Acidez livre (meq/Kg) | 22,03 | 8,22 | 6,75 - 47,19 |
Lactose (meq/Kg) | 7,11 | 3,52 | 0,00 - 18,76 |
Acidez total (meq/Kg) | 29,12 | 10,33 | 8,68 - 59,49 |
Lactose/Acidez livre | 0,335 | 0,135 | 0,00 - 0,950 |
Cinzas (%) | 0,169 | 0,15 | 0,020 - 1,028 |
Nitrogenio (%) | 0,041 | 0,026 | 0,00 - 0,133 |
Diastase | 20,8 | 9,76 | 2,1 - 61,2 |
Alimento | Quantidade de calorias/ kg |
AÇÚCAR DE MESA | 4.130 |
MEL DE ABELHA | 3.395 |
OVOS | 1.375 |
AVES | 880 |
LEITE | 600 |
Água
O conteúdo de água no mel é uma das características mais importantes, influenciando diretamente na sua viscosidade, peso específico, maturidade, cristalização, sabor, conservação e palatabilidade.
A água presente no mel apresenta forte interação com as moléculas dos açúcares, deixando poucas moléculas de água disponíveis para os microorganismos (Veríssimo, 1987).
O conteúdo de água do mel pode variar de 15% a 21%, sendo normalmente encontrados níveis de 17% (Mendes & Coelho, 1983). Apesar de a legislação brasileira permitir um valor máximo de 20%, valores acima de 18% já podem comprometer sua qualidade final. Entretanto, níveis bem acima desses valores já foram encontrados por diversos pesquisadores em diferentes tipos de mel (Cortopassi-Laurino & Gelli, 1991; Costa et al., 1989; Azeredo & Azeredo 1999; Sodré, 2000; Marchini, 2001).
Em condições especiais de níveis elevados de umidade, o mel pode fermentar pela ação de leveduras osmofilíticas (tolerantes ao açúcar) presentes também em sua composição. Segundo Crane (1987), a maior possibilidade de fermentação do mel está ligada ao maior teor de umidade e leveduras.
O processo de fermentação pode ocorrer mais facilmente naqueles méis chamados "verdes", ou seja, méis que são colhidos de favos que não tiveram seus alvéolos devidamente operculados pelas abelhas; nessa situação, o mel apresenta teor elevado de água. Entretanto, mesmo o mel operculado pode ter níveis acima de 18% de água, caso o apiário esteja localizado em região com umidade relativa do ar superior a 60%.
Outros fatores associados ao processo de fermentação estão relacionados com a má assepsia durante a extração, manipulação, envase e acondicionamento em local não-apropriado (Faria, 1983).
A própria centrifugação pode contribuir negativamente na qualidade do mel. A centrífuga pulveriza o mel em micro partículas, favorecendo a absorção de água pela formação de uma grande superfície em relação ao volume. Se esse processo ocorrer em local com umidade relativa alta, o mel pode ter seu teor de água aumentado. O ideal seria que o local fosse equipado com desumidificador.
Enzimas
Segundo Crane (1987), a adição de enzimas pelas abelhas ao néctar irá causar mudanças químicas, que irão aumentar a quantidade de açúcar, o que não seria possível sem essa ação enzimática.
A enzima invertase adicionada pelas abelhas transforma 3/4 da sacarose inicial do néctar coletado nos açúcares invertidos glicose e frutose, ao mesmo tempo, que açúcares superiores são sintetizados, não sendo presentes no material vegetal original. Sua ação é contínua até que o "amadurecimento" total do mel ocorra.
Dessa forma, pode-se definir o amadurecimento do mel como a inversão da sacarose do néctar pela enzima invertase e sua simultânea mudança de concentração.
A enzima invertase irá permanecer no mel conservando sua atividade por algum tempo, a menos que seja inativada pelo aquecimento; mesmo assim, o conteúdo da sacarose do mel nunca chega a zero. Essa inversão de sacarose em glicose e frutose produz uma solução mais concentrada de açúcares, aumentando a resistência desse material à deterioração por fermentação e promovendo assim o armazenamento de um alimento altamente energético em um espaço mínimo.
Outras diversas enzimas, como a diastase, catalase, alfa-glicosidase, peroxidase, lipase, amilase, fosfatase ácida e inulase, já foram detectadas no mel por diferentes autores (Schepartz & Subers, 1966; White & Kushinir, 1967; Huidobro et al., 1995).
A diastase quebra o amido, sendo sua função na fisiologia da abelha ainda não claramente compreendida, podendo estar envolvida com a digestão do pólen.
Como a diastase apresenta alto grau de instabilidade em frente às temperaturas elevadas, sua presença ou não se faz importante na tentativa de detectar possíveis aquecimentos do mel comercialmente vendido, apesar de que também em temperaturas ambientes ela pode vir a deteriorar-se quando o armazenamento for prolongado.
A catalase e a fosfatase são enzimas que facilitam a associação açúcar-álcool, sendo um dos fatores que auxiliam na desintoxicação alcoólica pelo mel (Serrano et al., 1994). Entretanto, segundo Weston (2000), a catalase presente no mel se origina do pólen da flor e sua quantidade no mel depende da fonte floral e da quantidade de pólen coletado pelas abelhas.
A glicose-oxidase, que em soluções diluídas é mais ativa (White, 1975), reage com a glicose formando ácido glucônico (principal composto ácido do mel) e peróxido de hidrogênio, esse último capaz de proteger o mel contra a decomposição bacteriana até que seu conteúdo de açúcares esteja alto o suficiente para fazê-lo ( Schepartz et al., 1966; Mendes & Coelho, 1983).
Segundo White et al. (1963), a principal substância antibacteriana do mel é o peróxido de hidrogênio, cuja quantidade presente no mel é dependente tanto dos níveis de glicose-oxidase, quanto de catalase, uma vez que a catalase destrói o peróxido de hidrogênio (Weston et al., 2000).
Proteínas
Em concentrações bem menores, encontram-se as proteínas ocorrendo apenas em traços. A proteína do mel tem duas origens, vegetal e animal.
Sua origem vegetal advém do néctar e do pólen; já sua origem animal é proveniente da própria abelha (White et al., 1978). No segundo caso, trata-se de constituintes das secreções das glândulas salivares, juntamente com produtos recolhidos no decurso da colheita do néctar ou da maturação do mel (Campos, 1987).
Wootton et al. (1976) constataram em seis amostras de mel australianas os seguintes aminoácidos livres: leucina, isoleucina, histidina, metionina, alanina, fenilalanina, glicina, ácido aspártico, treonina, serina, ácido glutâmico, prolina, valina, cisteína, tirosina, lisina e arginina.
Dentre esses aminoácidos, a prolina, proveniente das secreções salivares das abelhas, é o que apresenta os maiores valores, variando entre 0,2% e 2,8%. Juntamente com o conteúdo de água, sua concentração é usada como um parâmetro de identificação da "maturidade" do mel (Costa et al., 1999). Segundo Von Der Ohe, Dustmann & Von Der Ohe (1991), é necessário pelo menos 200 mg de prolina/kg de mel.
Ácidos
Os ácidos orgânicos do mel representam menos que 0,5% dos sólidos, tendo um pronunciado efeito no flavor, podendo ser responsáveis, em parte, pela excelente estabilidade do mel em frente a microorganismos. Na literatura, pelo menos 18 ácidos orgânicos do mel já foram citados. Sabe-se que o ácido glucônico está presente em maior quantidade, cuja presença relaciona-se com as reações enzimáticas que ocorrem durante o processo de amadurecimento. Já em menor quantidade, podem-se encontrar outros ácidos como: acético, butírico, lático, oxálico, fórmico, málico, succínico, pirúvico, glicólico, cítrico, butiricolático, tartárico, maléico, piroglutâmico, alfa-cetoglutárico, 2- ou 3-fosfoglicérico, alfa- ou beta-glicerofosfato e vínico (Strison et al., 1960; White, 1975; Mendes & Coelho, 1983).
Tan et al. (1988) constataram alguns ácidos aromáticos no mel unifloral de manuka (Leptopermum scoparium) que não estavam presentes no néctar de suas flores.
Os méis de manuka e de viperina (Echium vulgare), apresentam alta atividade antimicrobiana, podendo essa atividade estar relacionada com a presença de alguns tipos de ácido (Wilkins et al., 1993-95).
Minerais
Os minerais estão presentes numa concentração que varia de 0,02% a valores próximos de 1%. White (1975) constatou valores de 0,15% a 0,25% do peso total do mel.
Entre os elementos químicos inorgânicos encontrados no mel, podem-se citar: cálcio, cloro, cobre, ferro, manganês, magnésio, fósforo, boro, potássio, silício, sódio, enxofre, zinco, nitrogênio, iodo, rádio, estanho, ósmio, alumínio, titânio e chumbo (White, 1975; Pamplona, 1989). Na tabela 7 pode ser verificado o conteúdo de minerais no mel de acordo com sua cor e a recomendação de ingestão diária para o homem.
Embora em concentrações ínfimas, vitaminas, tais como: B1, B2, B3, B5, B6, B8, B9, C e D também são encontradas no mel, sendo facilmente assimiláveis pela associação a outras substâncias como o hidrato de carbono, sais minerais, oligoelementos, ácidos orgânicos e outros. A filtração do mel para fim comercial pode reduzir seu conteúdo de vitaminas, exceto a de vitamina K (Haydak et al., 1943). Segundo Kitzes et al. (1943), tal filtração retira do mel o pólen, responsável pela presença de vitaminas no mel.
Elementos (macro e micro) | Cor | Variança (ppm) | Média (ppm) | Ingestão diária recomendada (mg) |
CÁLCIO | CLARA | 23 - 68 | 49 | 800 |
ESCURA | 5 - 266 | 51 | ||
FÓSFORO | CLARA | 23 - 50 | 35 | 800 |
ESCURA | 27 - 58 | 47 | ||
POTÁSSIO | CLARA | 100 - 588 | 205 | 782 |
ESCURA | 115 - 4733 | 1676 | ||
SÓDIO | CLARA | 6 - 35 | 18 | 460 |
ESCURA | 9 - 400 | 76 | ||
MAGNÉSIO | CLARA | 11 - 56 | 19 | 350 |
ESCURA | 7 - 126 | 35 | ||
CLORO | CLARA | 23 - 75 | 52 | (300 - 1200) |
ESCURA | 48- 201 | 113 | ||
DIÓXIDO DE SILÍCIO | CLARA | 7 - 12 | 9 | (21 - 46) como ác. Silício |
ESCURA | 5 - 28 | 14 | ||
FERRO | CLARA | 1,20 - 4,80 | 2,40 | 20 |
ESCURA | 0,70 - 33,50 | 9,40 | ||
MANGANÊS | CLARA | 0,17 - 0,44 | 0,30 | 10 |
ESCURA | 0,46 - 9,53 | 4,09 | ||
COBRE | CLARA | 0,14 - 0,70 | 0,29 | 2 |
ESCURA | 0,35 - 1,04 | 0,56 | ||
ENXOFRE | CLARA | 36 - 108 | 58 | - |
ESCURA | 56 - 126 | 100 |
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